Em alguns momentos, nos últimos dias, se ficasse quieto o suficiente, eu conseguia ouvir o barulho do meu despertador. Era como se eu estivesse na beira de um sonho, prestes a acordar e cair da cama.
Se isso fosse verdade, eu sentia que seria muito injusto, pois por mais que sonhos não sigam regras, e transitem livremente entre o parafrodisíaco e o pesadelo cruel, neles a sensação de controle da realidade - e mesmo de si mesmo - é menor. Eu pelo menos só sei o que estou fazendo, quando sonho. Nunca me sinto fazendo as coisas, dono de mim. Fato é que esse não era o fato: o mundo estava tão palpável como em qualquer outro dia, com essa exceção do despertador, e talvez o sono que estava me faltando. Umas horas a menos nas duas últimas noites, nada que devesse levar à alucinação, mas talvez o suficiente para alterar a interpretação (mas não a percepção: que fique claro que talvez nem tudo o estivesse para mim) da realidade.
Será que teria a ver? Também me parece pobre demais ser apenas uma imagem residual, o último relógio que tocou, desesperador, anunciando o começo de um dia mais longo após uma noite mais curta. Apesar disso, de uma maneira ou outra a sensação era a oposta: não a brasa que gira e deixa seu traço na retina, mas o cheiro, a antecipação ou lembrança do traço, que chama a brasa como que para confirmar a imagem que ele deixa no ar. Era bem mesmo a sensação de que iria acordar.
Eu me ocupei e passou a angústia, passou também uma noite normal terminada com uma manhã convencional: o despertador tocando somente na hora estipulada, e parando de tocar corretamente, ao meu toque. Como a normalidade é impressionante. No entanto, ainda ficou a sensação de jet lag: calma aí, eu não viajei de avião.
Acho que falta ajustar os parâmetros melhor. Estou desafinado com a minha rotina verdadeira.