sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Obsessão inventada

Você me fascina.
Não sei se é o momento de encontro entre dois desconhecidos - falsos amigos talvez, mas não tanto a amigos falsos - mas mais a duração de algo tão... sutil, fino, quase inexistente, e ainda assim, esquisitamente estável.

Superficial como superfície, da aparência, mas não de falta de profundidade. Fino, também, mas não, talvez, na qualidade. Relação é forte demais, mas é uma relação fora da causalidade (ou isso alguma lembrança se fez omitir: probabilidade?). São fios que ligam as duas partes, ninguém sabe como, pois ninguém os vê. Quem sabe o que me maravilha tanto é tentar encontrá-los, pois sei que existem. A realidade está aí pra comprovar!

Quando vejo, estou com suas fotos diante de mim, como para tentar extrair um mínimo de informação, tentar fisgar algum detalhe, algum lampejo desapercebido da sua alma, pois, querendo ou não, sei pouco mais que o seu nome. Posso até ler a sua forma de pensar, o pouco que você externaliza ou intern(et)aliza de seu cotidiano, mas os detalhes banais e desimportantes, ironicamente, fazem falta. Não conheço sua voz, o que faz da vida (ok, o que REALMENTE faz da vida), por outro lado me sinto mais à vontade com você do que com outras pessoas que supostamente conheço - pois esta palavra cada vez faz menos sentido - melhor, ou há mais tempo. Aliás, há quanto tempo? Não sei. Em algum momento a minha memória episódica lembra de ter te encontrado, e nesse instante já fazia tempo que a gente não se via... hein? Na hora até questionei. Me parece mais é que os fios sou eu que estou atando. Mas foi você que acenou primeiro!

Será que você pensa (em? não, com certeza não) de mim? O que será que pensa? Sou eu que tenho a cabeça fraca ou você também não lembra das nossas conversas sequer terem existido? Não se confunde um estranho assim tantas vezes, e não se leva farsa adiante quando o estranho é o último a perceber. Como posso dizer que alguém me atrai sem ser mal(a) interpretado? Talvez só o fato de ser algo desconhecido e ainda assim tão vibrante, tão exótico a mim e mesmo assim inconscientemente(mente?) familiar. Eu sinto como se tivesse algo a acrescentar, mas é apenas vontade de fazer bater a realidade e a aparência. Estranho construir uma amizade de ponta cabeça, é mais difícil saber de que ponto você partiu, quem dirá onde vai parar.

Olhando a sua cara de brava congelada, fico aqui imaginando sua vida, seu jeito de sentir o mundo, e principalmente - eu ignoro o paradoxo - todas as coisas que eu provavelmente imagino errado e me iludo. No entanto, você não sai da minha consciência. Acho que te vi passar, começo a ver coincidências e criar hipóteses para aos poucos ligar os fios e zás, tudo se passa como nada se passasse!...

Ou talvez o melhor seja descobrir um nome científico pra isso, dizer que é condição clínica ou efeito psicológico, e não esquentar mais a cabeça.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Malabarismo


De um lado está o perfeccionismo, a ideia de que se algum trabalho ou projeto pelo qual eu me sinta mais ou menos responsável não sair ou sair malfeito, eu não vou (me) perdoar. Não sei até que ponto isso é bom, ou até que ponto é egoísmo e exagero.

Do outro lado, a noção de que eu tenho que criar prioridades, e de que nem sempre se pode fazer tudo bem feito, de que nem sempre tudo vai sair como eu quero, por mais que eu esteja certo de que estou certo. Sem falar que, acima dos meus objetivos, deve ficar o cuidado com a minha saúde, e com as coisas pelas quais eu já sou responsável. Relacionamento, família e tal.

Não chega a ser mania de perfeição, nem tudo precisa sair perfeito, e mesmo se eu não der tudo de mim, ainda é compreensível; eu certamente tenho outra coisa para fazer. Ainda assim, imperfeito é claramente diferente de PORCO - isso é subjetivo, sim, mas também insuportável. É óbvio que eu não passaria a viver sob a sombra do que me desagradou e ficou além do meu alcance, até porque passaria a viver sobre essa sombra, verdade seja dita. E mesmo assim, seria uma pedra na espinha dorsal do ego. Novamente aquele dilema de "haha, você é humano! você não é capaz de fazer tudo bem feito e ao mesmo tempo!"

Eu sou humano, pois. É justamente isso que me livra da culpa (pois sejamos sinceros, é culpa) que sentiria se não conseguisse dar conta de todas as funções a mim mesmo impostas. Por isso que é bom dividir o trabalho, delegar tarefas simples a quem pode cumpri-las sem entrar em desespero, coisa que acontece, quando se acumula demais. E essa é a melhor coisa para se fazer - pôr na mão de alguém confiável, que saiba o que está fazendo, e, já que insiste(insisto), que entenda o que eu quero e faria.

Mas e na falta dessa pessoa? Sim, eu sou humano, e é essa a beleza da coisa - a humanidade em mim é o que me faz superar limites, evoluir. Na verdade, não fosse isso, seria qualquer outra coisa, mas é esse caráter que me permite fazer mais do que espero, e espera-se, de mim. Eu posso, e tenho o direito de tentar.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Salve a Pedra!

Tem tanta coisa nesse mundo modernão de hoje que tá ameaçada de se extinguir. Várias já caíram pra categoria de mathom, aquelas coisas que você mantém não por necessidade, mas porque não quer abandonar. Quem ainda tira foto e revela o filme? Quem ainda usa o correio para conversar? Orelhão ou celular? Basicamente, dois grupos: o que o faz por prazer, e o que não tem acesso ao mais recente. Na verdade eu me incluo um pouco em cada; aquele cartão telefônico vem a calhar quando os créditos acabam.

Ainda assim, CD já é coisa de camelô, ou de fã que quer contribuir. Apoiar a pirataria hoje já não é necessariamente crime, tem organizações sérias como o Partido Pirata (ééé) a favor, por exemplo, de mais liberdade. Creative Commons, software livre... um amigo meu disse que o futuro é livre. Concordo.

O jornal tá virando gasto de papel, quem quer pode muito bem ler suas notícias em tempo real na internet. Não precisa esperar o dia seguinte. Mesmo o jornal na TV à noite tá ficando ultrapassado, hoje só quem não quer (ou não tem como) acessar ler suas notícias online faz uso dele. Aí vêm RSS e Twitter, pra acabar com a graça: se todo mundo tá comentando alguma coisa, se alguma agência de notícias solta um link, não precisa de mais nada pra se informar. Repara que ainda precisa desse papel do jornalismo, mas não do jornalismo no papel. E não é o tipo de coisa que deve ou deveria acabar.

Os livros estão ali com Kindle, iPad e semelhantes: outro dia vi uma pesquisa sobre onde é melhor ler um livro, e todos eles tiveram quantidade semelhante de votos, o único que perdeu foi o Desktop - também pudera, ninguém gosta de ler torto numa cadeira, olhando pra tela. Sem falar que pra muita gente fica muito semelhante - anatomicamente, é igual - às suas horas de trabalho. Dá pra compreender a vontade de sair do computador pra ler, nem que seja usando um outro, camuflado de prancheta.

E por aí vai. Não é triste, nem necessariamente bonito. O papiro coexistiu com a litografia, até que ninguém mais fazia questão de carvar mensagens na pedra. Mas e se quisessem salvar a pedra? E se quiserem salvar os livros de papel, ou os direitos autorais sobre a música? Tem uma palavra pra isso. Ou duas, não sei, ainda não me dou bem com a nova ortografia. Como é neologismo, deixa que eu (não) decido: rede-socialize. Ou só socialize.


Eu prefiro não fazer propaganda de quem tá tentando (com crescente sucesso) dominar o mundo, mas já usaram o Google Reader? Eu não, por pura e sincera preguiça. Na verdade, entre esta e a frase passada, acabei de fazê-lo, por descuido e descaso, mas meu discurso continua o mesmo: já viu coisa mais prática? Mata aquele argumento de "tem que filtrar, ninguém quer ler uma avalanche de mensagens sem sentido" que usam contra o Twitter. É uma crítica válida, mas não justifica a inexistência do serviço. A ideia é "um passarinho me contou", e não "notícias em primeira mão".

Sem falar de Skoob, MySpace e tantas outras maneiras novas de se compartilhar informação. Pelo que me parece, nos anos de agora, se você quer salvar um negócio, não basta mais investir no indivíduo e na beleza da unicidade. É preferível fazer com que ele se sinta integrado, um elemento importante e interessante de um grupo, que pode usufruir não só de suas contribuições, mas de todos os outros membros.

E não estou falando só do flogão dos migs ou daqueles blogs de receita de comadre.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

[LUTO] - Morte e vida orkutiana


Já faz um tempo que eu quero escrever sobre a morte e como as pessoas lidam com ela, em especial no orkut, que é um bom lugar pra olhar as pessoas se comportando na internet - e como eu já cheguei a andar bastante por ali, acabei vendo uma ou outra coisa interessante. Não tenho tanto a falar, porque achei um artigo da intexto, uma revista da UFRGS, que fala do mesmo. Chama-se "Viver e Morrer no Orkut: os paradoxos da rematerialização do ciberespaço". Vale a pena ler, e dá pra baixar o pdf.

O artigo se propõe a discutir aspectos relativos à experiência da morte, tal como ela se apresenta no Orkut, site de relacionamentos que se tornou tremendamente popular entre os usuários brasileiros. O que a morte revela sobre a vida no ciberespaço? De que maneira o processo de luto se constrói em um ambiente em que o perfil sobrevive ao usuário? Em que medida a morte dos outros se constitui como uma ocasião para refletir sobre o próprio sentido da vida?

Não vou ficar aqui repetindo a opinião nem as conclusões do texto, e acabei descobrindo que esse assunto nem é tão novo assim, só fui mais um a se pôr a pensar nele. Apenas queria deixar notado também como esse ciberespaço facilita o luto, como fica mais fácil e cômodo lidar com o morto quando ele - ou, usando a nomenclatura do artigo, a persona dele - está ali, digamos, presente para sempre, como uma lápide-corpo, uma casca de árvore. Permite tanto a sinceridade espontânea quanto a fala mais pensada, mais passada: tem perfil de amigo meu falecido que anos depois ainda recebe mensagens belas, de quem sente vontade de conversar - ou simplesmente de passar um recado a ele.

pensei em você e vim cá ter ....tomar um cado do seu tempo, já que é um dos poucos anjos que eu conheço...sabe... hoje pensei na vida no céu, se fosse por aqui ia te pedir um mapa, um folder e um postal de souvenir.bjo

Teve outra que uma vez eu achei muito bonita - foi pouco depois de um acidente de estrada. Bicicleta e caminhão, coisas feitas para não andarem próximas. Deu no que deu. Teve muita gente - eu incluso - que achou muita imprudência do ciclista, e ficou com aquela raiva que a gente fica quando alguém comete um erro grande, mas.. passado o momento, é paciência. E eu me surpreendi com o que o melhor amigo dele falou. Acho que tem a ver um pouco com o que o artigo ali fala da pessoa morrer e então passar a ser revelada, por não controlar mais o que é dito a respeito dela.

lembra da lua que voce sempre me falo? pois é meu irmao, hoje nao tem lua, pq, pq hoje a lua é voce, lembra que voce falo que nao importa que voce nao acredite em nada, acredite na lua, pois nao importa onde, ela sempre vai ta la, e realmente ela sempre ta, soque hoje quem representa a lua é voce meu irmao, mesmo nao estando aqui hoje, sempre vai ta com a gente =/

Acabou ficando um post mais de constatação do que de reflexão. Não faz mal.

PS - Nas anotações pra esse post, tinha o nome de dois amigos meus falecidos.. junto do nome de um amigo meu que não morreu, e nenhum asterisco dizendo o porquê. Medo.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

HiPOP!tético

Imagem e inspiração: http://www.xkcd.com/248/

Ainda não: era basicamente isso que tinha dito a ela, que apesar de os dois estarem juntos, ele sentia que era cedo ainda para começar essa nova fase do relacionamento. Felizmente, ela compreendia. Também era algo novo para ela, e no final das contas nenhum dos dois estava cegamente confiante para dar um passo a frente. Talvez fosse mesmo melhor esperar, não por algo a acontecer, mas mais pelo bem-estar, pelo bem-sentir de ambos. E, o mais importante, ela o amava. Isso o deixava sempre muito feliz, independente da situação.

Tudo parecia bem pacífico. Leonardo voltou para casa, trancou a porta, incerto de sua decisão. Pôs no rádio um rock melódico, abriu a geladeira, puxou alguma coisa para comer. Não sentia muita fome, sua mente ainda estava naquela conversa. Talvez devesse voltar, mudar de ideia... não. Melhor seguir. Tecnicamente não havia decidido por nada - ou melhor, na verdade era exatamente isso: havia decidido por nada. Prefiro esperar um pouco, amor. Não estou tão seguro, não sei se ainda é hora. É bem possível que no futuro a gente acabe morando junto, casando, até, por que não. Mas no momento eu ainda me sinto meio inseguro. É isso. Ela também fora sincera - sentia-se pronta, mas se ele preferia esperar, ela podia fazê-lo, por ele.

Foi descendo as escadas que ele percebeu: de alguma forma, as paredes pareciam mais distantes do que o normal, assim como o chão. Não devia ser nada, pensou. De repente, a luz pisca. Não bem isso, era mais como um piscar de realidade - a pressão que o degrau exercia na pele de seu pé descalço também desaparecera por um instante. Tudo ficara escuro, de súbito, por uma fração de segundo. Chegou rápido ao andar inferior, por alguma razão ele se sentia mais seguro no porão que fora transformado em ateliê. Era reconfortante, mesmo frente a um delírio como tal. Eis que sua visão pisca de novo, e ele ouve um som como o de um enorme balão estourando, mas como se o ouvisse por dentro - um POP! bastante nítido, na medida do possível.

Naquela fração de segundo que sucede ao estampido, Leonardo percebe um vulto conhecido à sua frente, sentado, e é tomado pelo espanto - o vulto era o seu! Estaria dormindo? Morto? Em outra dimensão? Delirando? É, delírio parecia a resposta mais plausível. Não teve tempo suficiente para refletir sobre o assunto, pois, pelo visto, a outra pessoa também ouvira o estrondo, já que se virara rapidamente em seguida. O instante que se segue é de contemplação e reconhecimento: sim, aquele à sua frente era ele mesmo, e parecia real o suficiente para que ninguém duvidasse. O sujeito provavelmente havia pensado em falar com quem quer que houvesse causado aquele barulho, pois fizera um movimento vago com o braço. Todavia aquilo não parecia fazer muita diferença no momento, já que o olhar que trocavam era de mútua incredulidade. Simplesmente não podia ser possível.

- Você...? - disse a figura, como se esperasse alguma resposta sensata.
- ...é. - devolveu Leonardo, ainda de pé. Era o máximo que tinha de resposta pra situação.
- Como que você sou eu?
- Não sei. Certeza que a gente é o mesmo?

O rapaz levantou-se. Mesma altura, forma do rosto, cabelo, voz, aparência rigorosamente igual. Só diferiam nas roupas, mas apenas da mesma forma que uma pessoa difere de si mesma quando troca de roupa.

- De onde você veio?
- Eu estava em casa, desci aqui até o ateliê e vim parar aqui.
- Mas como? Eu teria visto você entrar. A porta está fechada, olha.

Olhou. Estava mesmo. Bom, se fosse delírio, talvez ele descobrisse logo. Apesar de desejar em seu íntimo que aquele fosse apenas outro sonho sem nexo do qual ele acordaria a qualquer momento, decidiu tratar objetivamente a questão.

- Onde estamos?
- Em casa, Rua Santos Gouveia, 683... o que estou falando, você deve ser apenas uma alucinação!
- Será então que só você consegue me ver?
- Talvez... - o telefone toca. - Atende você. Atende e passa pra mim, só pra ver se acontece alguma coisa.

Ele pondera por um instante, e pega o telefone. Nada além da normalidade passa pelo quarto, se é se pode falar em normalidade numa situação como tal.

- Alô.
- Alô! O Leo está?
- Sou eu.
- Ah, e aí rapaz!
- E aí! Só espera um pouco, é rápido.

Com a mão sobre o bocal do telefone, ele sussurra alguma coisa e seu sósia atende a ligação, mas desliga pouco tempo depois, tornando a se encarar.

- Você veio do futuro ou do passado, por acaso?
- Vou saber! Que dia é hoje?
- 20 de fevereiro. De 2009.
- Huuuum! Então eu vim mesmo do futuro. Onde eu tava era dia 22.
- Mas pelo jeito você não veio me passar nenhuma mensagem especial, veio?
- Não que eu saiba.

(um pequeno silêncio)

- Me conta o que você fez, nesses dois dias.
- Nada demais, sábado foi um dia normal, e hoje - ahm, no dia 22 eu fui na casa da Clarisse, e... ah, a gente conversou um pouco. Falei que prefiro esperar um pouco, que acho que é cedo... sabe, né.
- Sei. E o que ela falou? - o súbito aumento do interesse era notável em sua voz.
- Ela disse que tudo bem. Que se sente pronta, mas se eu preferir esperar, ela pode esperar também.
- Sério? Mas que estranho...
- O quê?
- Eu meio que já sabia tudo isso que você falou.

Ele não respondeu nada. Aquela conversa já estava além do que ele era capaz de inventar; agora, ser produto do pensamento de outra pessoa - ou melhor, do proprio pensamento, estava quase no limite do aceitável. Toda a sua memória, suas experiências vividas... será que alguma coisa teria realmente acontecido?

- Logo antes do barulho e de você aparecer, eu estava justamente pensando sobre isso - estava imaginando, que, se eu dissesse o que você falou pra ela, ela reagiria dessa forma. Na verdade, o que eu imaginei que ela responderia era mesmo algo bem próximo do que você falou. Agora já não tenho certeza que você veio mesmo do futuro. Você não saiu da minha mente, saiu?
- Já disse que não sei. Bom, se eu tiver saído da sua cabeça, eu saberia tudo o que você sabe, nem mais nem menos, certo?
- E no entanto você lembra de ter conversado com a Cla, num dia que eu ainda nem vivi. (- Sim.) - Do que mais você lembra? Você disse que amanhã vai ser, ou foi, um dia normal, o que você fez no sábado?
- Ah, foi um dia normal mesmo, não fiz nada demais, eu... fiquei em casa.
- Tem certeza?
- Agora que você me pergunta, sabe que eu realmente não lembro muito bem do que fiz? Mas pera aí. Se o que eu vivi era o que você estava imaginando, você deveria lembrar o que eu fiz ontem, não?
- Esse é o problema: eu não estava pensando sobre o que faria amanhã, mas sim o que falaria pra Cla quando a visse, domingo, no caso. E pelo jeito essa é a sua única memória.
- Isso e o que aconteceu depois. Fui pra casa, liguei o rádio, comi e desci aqui.
- Ok, essa parte eu não tinha imaginado. Eu só fiquei pensando na conversa que tive com ela.
- Então eu não sou só da sua mente! Não, para, é claro que não sou! Eu sou real, só não lembro o que fiz ontem! Tudo isso é muito esquisito. Calma... no instante em que eu apareci aqui, naquele momento mesmo, no que você estava pensando?
- Nisso que eu te disse. Se bem que na hora mesmo não sei se ainda estava pensando sobre isso. Eu acho que me distraí. Faz diferença?
- Bom, parece que você só imaginou a conversa até a parte que ela responde. Mesmo assim, eu continuei existindo depois de você parar de imaginar, isso supondo que eu seja mesmo imaginação sua.
- ...pelo jeito sim. E por mais difícil que já pareça, de alguma forma você saiu de onde quer que estava e veio parar aqui. O que você estava fazendo na hora H?
- Não sei! Eu desci as escadas, mas nem deu tempo de pensar muito a respeito, porque de repente a luz piscou e você estava aí! Ou eu estava aqui, não sei o que é pior.

Já estavam ultrapassando a linha do bom-senso. Ele se sentou, observado pelo seu gêmeo da antevéspera. Reconstruindo a situação: conversou com a namorada, chegou em casa, relaxou, desceu as escadas, e BUM, estava olhando para um clone seu, que dizia ter imaginado o que ele vivera naquele dia, mas não sabia dizer nada sobre as coisas de que ele também não tinha muita memória. Seria mesmo verdade? Será que ele era mesmo oriundo de sua própria hipótese sobre o que faria no final de semana? Não parecia muito convincente.

- Ô... Ô Leonardo.
- Oi.
- Se você estava imaginando a minha... o meu presente, ou melhor, o que aconteceu comigo agora há pouco, o que aconteceria se eu tivesse dito qualquer outra coisa a ela?
- É mesmo né. E se você dissesse algo completamente diferente?

Puseram-se a pensar. Se estivessem menos empenhados em franzir o cenho, fazer poses de quem realmente está tentando raciocinar e - de fato - se esforçar para extrair algo da massa cinzenta, teriam notado que o ar ao seu redor parecia menos nítido; a luz já não passava direito através dele, mas sim tomava caminhos um tanto sinuosos. De repente, POP! Ambos olham um para o outro, e, ao não notarem diferença entre si, olham para o quarto, que também parecia suficientemente normal, a não ser pelas duas figuras que ali se encontravam, um onde o Leonardo que se levantara estava originalmente sentado, próximo ao que se havia acabado de se sentar estava o outro. No rosto dos dois há novamente olhares incrédulos, ainda que diferindo um tanto de intensidade entre si. O último, então, surpreende a todos ao sair de seu quase-transe:

- Merda! Achei que fosse dar certo. Achei que se eu fizesse você - olha e aponta com a cabeça para o sujeito que aparecera com ele - imaginar o que aconteceria se eu dissesse outra coisa pra ela podíamos resolver essa situação. Mas pelo jeito fiquei tempo demais imaginando os efeitos de fazer você pensar isso.

Um tanto confusos, os xarás começam a discutir entre si. Não vem à tona nenhuma conclusão notável, já que ali na verdade era a mesma mente falando consigo mesma, numa conversa que só se mostraria útil ao revelar o que na verdade eles já sabiam, todo esse tempo. Contudo, autoconhecimento não era de muita importância naquela situação, ou ao menos não comparado à magnitude do estranhamento que o quadro gerava para os quatro. Depois de alguns minutos, e já sem duvidar tanto da possibilidade de ter sido expulso (duas vezes) de dentro de sua própria cabeça, Leonardo resolve refletir melhor acerca de tudo o que lhe ocorrera até então, mas, principalmente, do que ainda viria. E se ainda estivesse dentro da imaginação de alguém? Ou mesmo de si mesmo, de uma imagem sua exatamente no mesmo lugar, naquele exato canto do cômodo. Por outro lado, ele próprio já estava no papel do imaginador - pelo que sugeriam as circunstâncias, um momento maior de distração poderia muito bem causar mais um estouro estranho daqueles, e seu pensamento, seu sósia a imaginá-lo, deixaria de ser ficção sua, e passaria a compartilhar da realidade que até aquele momento era dele - ou das ideias de quem o estaria imaginando. Mas e se fosse o sujeito quem se distraísse no decorrer do processo? Quem iria primeiro parar aonde? Ele fitou o que poderia chamar de suas réplicas: apesar de tudo, sentia que ele era o único de verdade ali, se é que poderia falar assim. Os outros pareciam, só...

Naquele instante breve e virtual, ele percebeu que havia se distraído.
POP!

PS - Acabei de encontrar:

Significado de Tético
adj. Filosofia. Na terminologia fenomenológica, diz-se do que supõe a existência da consciência ou do que se afirma como ela.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A garota mais sem graça que eu já conheci

Que ninguém se ofenda, pois não é essa a intenção. Amém.

Devia ter doze anos quando a conheci. Entrou na minha turma, na escola, no começo do ano, como qualquer pessoa. Ela não tinha apelido, como era de se esperar. Mais tarde, as amigas a chamavam pela primeira sílaba do nome, o que também era completamente previsível.

Ela passou pela escola sem maior dificuldade. Teve lá seus problemas: se não me engano não gostava de matemática, não ia muito bem em português e talvez não entendesse química direito. Ou física, não sei. Talvez as duas. Ficou de recuperação algumas vezes, outras não. Nada severamente preocupante. Não era, assim, uma das piores alunas - conversava na aula, mas não a ponto de se atrapalhar demais, ou se atrapalhar os outros. Com quem ela conversava eu não sei - provavelmente com quem sentava ali perto, faz mais sentido. Também nunca foi uma das melhores: se a professora sabia seu nome, não faço ideia do motivo. Não chamava a atenção, mas também não era necessário que chamassem a sua. Ninguém tinha por que reclamar dela, pois realmente não fazia nada.

Não direi que era feia - confesso que não fazia o meu tipo, mas talvez ela tivessa um namorado. Ou tivesse tido. Ou tenha tido, quem sabe até tenha agora. De qualquer forma, não era de todo mal, mas também não era bela a ponto de se destacar na multidão. Na formatura garanto que estava bonita, pelo simples fato de que TODA garota fica bonita na sua formatura. Quando não fica, é sinal de que há ali o que não tem salvação - mau gosto. Mas não falta de beleza, salvo casos berrantes. Aqui evidentemente não era um desses, pois se fosse seria fácil de lembrar. Agora que vejo, eu também não a vi berrar. Nem viria. Bem, não era apenas mais um rostinho bonito, mas não dava medo. Se não me falha a memória ela tinha um sorriso simpático. Talvez seja só minha imaginação, mas convenhamos que trata-se de algo plenamente plausível.

O fato é que ela nunca chamou atenção, nem para algo bom, nem para algo ruim. Jamais atraiu o gosto ou o desgosto. Não usava roupas estranhas, nunca lançou moda. Não passou gripe pra ninguém, não contou piada também. Todo esse tempo eu tinha certeza de que era uma pessoa que eu ia esquecer com facilidade, pelo simples fato de não ter o que guardar. Aconteceu de sairmos juntos no mesmo grupo, e provavelmente demos risadas das mesmas coisas, mas e daí? Poderia substituí-la por uma pessoa anônima genérica que daria na mesma. Quem era amigo dela? Umas amigas minhas. Mas quais eram as verdadeiras amigas, aquelas inseparáveis e tudo o mais? Não sei. Certamente havia alguém - prefiro acreditar que havia. Também nunca a vi bêbada; não que isso fosse parâmetro, mas vale acrescentar que ela não davaz esse tipo de vexame - na verdade, não lembro muito de tê-la visto em alguma festa ou semelhante, de qualquer forma.

Seu nome tinha um H? Não lembro. Acho que tinha acento. Hoje ela deve estar fazendo direito em alguma faculdade aleatória, ou cursinho, não sei. Mas certamente não era algo que me fizesse lembrar. Se fosse algum curso profundamente patético ou sem sentido, ou algo ousado, novo e desafiador, não teria como esquecer. Mas não, talvez fosse administração, quem sabe. Não faz muita diferença.

Talvez daqui a anos, décadas, nós nos encontremos. Um corredor de supermercado, uma fila de banco. "Olha, amor, eu acho que estudei com aquela ali. Só não lembro onde foi. Ah, deve ser conhecida de outro lugar. Ela é vizinha nossa?" - por outro lado, tenho uma ligeira impressão que posso demorar mais esquecer que vou esquecê-la: por incrível e ilógico que pareça, acabou por ser o exemplo insuperável (insuperado) de pessoa quase-interessantemente desinteressante. Não que ela realmente o fosse, creio que não era. Prefiro imaginar que não. Mas simplesmente não havia o que achar! Não se tratava de uma miss-teriosa, eram apenas detalhes (sequer segredos) que ninguém tinha vontade de saber.

Se algum dia alguém acabar por superar tamanha falta de... de je ne sais quoi, terei aí um sincero paradoxo: mais chato é quem é lembrado ou esquecido, tão chato que é?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Mais um post metalinguístico

Tenho vontade de escrever. Tenho muita vontade de escrever, na verdade. O que não tenho tanto é tempo, preciso dormir esta noite, recuperar as horas perdidas na labuta da madrugada passada, tentar pôr em dia o sono perdido aos poucos durante a semana, a hora diária que se acumula em cansaço. Mas também preciso escrever, tenho tarefas e trabalhos a cumprir; é relatório, é seminário; purgatório, corolário. Bastante pra pensar, pra ex-pôr no papel, pra escrever até perder a vontade.

Mas ela não some. O que eu quero mais escrever não é o que me mandam, não é o que consta nas minhas obrigações e me comprometo a fazer. A sede que me dá é a de mostrar minha ideia e opinião, mostrar ao mundo - e não só ao mundo que me rodeia, mas ao mundo que eu alcanço, que está longe dos meus braços e das minhas mãos, mas não dos meus olhos, dos meus ouvidos. A ânsia vem daquele detalhe que parece que só eu reparei, da falta que eu sinto e não percebia, da beleza que eu não via. Provavelmente nem é nada tão relevante, mas é, pra mim. E talvez seja isso - para mim. Talvez o post no blog não seja tanto para os leitores, massim para o próprio autor. Para o luxo de seu ego? Para achar que escreve? Para pensar que é lido, ou, quando isso se realiza, crer em si mesmo, crer nas próprias palavras? Talvez. Seria uma ótima maneira de uma mentira se fazer acreditada: não é ela que vira verdade, quando dita mil vezes?

Eu não acredito muito nisso. A frase da mentira dá pra discutir, mas não estou falando dela; para mim, o blog não é só para o bel-prazer de ser lido. Também não só pra escrever, porque pra isso tem diário, e sei lá, não se coloca algo na internet pensando que nunca será lido. Não, não, acho que o blog tem outra função. Qual, então? Informar? Certamente não o caso deste. Ao menos não no sentido mais imediato de informar. Seria, então, unir o útil ao agradável, escrevendo quem goste de escrever e lendo quem gosta de ler? Perhaps.

Agora vou dormir, PQP, que canseira.