terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Desespertador

Em alguns momentos, nos últimos dias, se ficasse quieto o suficiente, eu conseguia ouvir o barulho do meu despertador. Era como se eu estivesse na beira de um sonho, prestes a acordar e cair da cama.

Se isso fosse verdade, eu sentia que seria muito injusto, pois por mais que sonhos não sigam regras, e transitem livremente entre o parafrodisíaco e o pesadelo cruel, neles a sensação de controle da realidade - e mesmo de si mesmo - é menor. Eu pelo menos só sei o que estou fazendo, quando sonho. Nunca me sinto fazendo as coisas, dono de mim. Fato é que esse não era o fato: o mundo estava tão palpável como em qualquer outro dia, com essa exceção do despertador, e talvez o sono que estava me faltando. Umas horas a menos nas duas últimas noites, nada que devesse levar à alucinação, mas talvez o suficiente para alterar a interpretação (mas não a percepção: que fique claro que talvez nem tudo o estivesse para mim) da realidade.

Será que teria a ver? Também me parece pobre demais ser apenas uma imagem residual, o último relógio que tocou, desesperador, anunciando o começo de um dia mais longo após uma noite mais curta. Apesar disso, de uma maneira ou outra a sensação era a oposta: não a brasa que gira e deixa seu traço na retina, mas o cheiro, a antecipação ou lembrança do traço, que chama a brasa como que para confirmar a imagem que ele deixa no ar. Era bem mesmo a sensação de que iria acordar.

Eu me ocupei e passou a angústia, passou também uma noite normal terminada com uma manhã convencional: o despertador tocando somente na hora estipulada, e parando de tocar corretamente, ao meu toque. Como a normalidade é impressionante. No entanto, ainda ficou a sensação de jet lag: calma aí, eu não viajei de avião.

Acho que falta ajustar os parâmetros melhor. Estou desafinado com a minha rotina verdadeira.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Charm, persuasion, uncertainty and bloody-mindedness.

‘How did you get here, actually?’ said the druid. ‘We’re five hundred feet up, unless I’ve got the runes wrong again.’

Rincewind tried not to think about height. ‘We sort of dropped in as we were passing,’ he said.

‘On our way to the ground,’ Twoflower added.

‘Only your rock broke our fall,’ said Rincewind. His back complained. Thanks,’ he added.

‘I thought we’d run into some turbulence a while back,’ said the druid, whose name turned out to be Belafon. That must have been you.’ He shivered. ‘It must be morning by now,’ he said. ‘Sod the rules, I’m taking us up. Hang on.’

‘What to?’ said Rincewind.

‘Well, just indicate a general unwillingness to fall off,’ said Belafon. He took a large iron pendulum out of his robe and swung it in a series of baffling sweeps over the fire. Clouds whipped around them, there was a horrible feeling of heaviness, and suddenly the rock burst into sunlight.

It levelled off a few feet above the clouds, in a cold but bright blue sky. The clouds that had seemed chillingly distant last night and horribly clammy this morning were now a fleecy white carpet, stretchingaway in all directions; a few mountain peaks stood out like islands. Behind the rock the wind of its passage sculpted the clouds into transient whirls. The rock—

It was about thirty feet long and ten feet wide, and blueish.

‘What an amazing panorama,’ said Twoflower, his eyes shining.

‘Um, what’s keeping us up?’ said Rincewind.

‘Persuasion,’ said Belafon, wringing out the hem of his robe.

‘Ah,’ said Rincewind sagely.

‘Keeping them up is easy,’ said the druid, holding up a thumb and squinting down the length of his arm at a distant mountain, The hard part is landing.’

‘You wouldn’t think so, would you?’ said Twoflower.

‘Persuasion is what keeps the whole universe together,’ said Belafon. ‘It’s no good saying it’s all
done by magic.’

Rincewind happened to glance down through the thinning cloud to a snowy landscape a considerable distance below. He knew he was in the presence of a madman, but he was used to that; if listening to this madman meant he stayed up here, he was all ears.

Belafon sat down with his feet dangling over the edge of the rock.

‘Look, don’t worry,’ he said. ‘If you keep thinking the rock shouldn’t be flying it might hear you and become persuaded and you will turn out to be right, okay? It’s obvious you aren’t up to date with modern thinking.’

‘So it would seem,’ said Rincewind weakly. He was trying not to think about rocks on the ground. He was trying to think about rocks swooping like swallows, bounding across landscapes in the sheer joy of levity, zooming skywards in a—

He was horribly aware he wasn’t very good at it.

The druids of the Disc prided themselves on their forward-looking approach to the discovery of the mysteries of the Universe. Of course, like druids everywhere they believed in the essential unity of all life, the healing ower of plants, the natural rhythm of the seasons and the burning alive of anyone who didn’t approach all this in the right frame of mind, but they had also thought long and hard about the very basis of creation and had formulated the following theory:

The universe, they said, depended for its operation on the balance of four forces which they identified as charm, persuasion, uncertainty and bloody-mindedness.

Thus it was that the sun and moon orbited the disc because they were persuaded not to fall down, but didn’t actually fly away because of uncertainty. Charm allowed trees to grow and bloody-mindedness kept them up, and so on.

Some druids suggested that there were certain flaws in this theory, but senior druids explained verypointedly that there was indeed room for informed argument, the cut and thrust of exciting scientific debate, and basically it lay on top of the next solstice bonfire.

‘Ah, so you’re an astronomer?’ said Twoflower.

‘Oh no,’ said Belafon, as the rock drifted gently around the curve of a mountain, I’m a computer hardware consultant.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Engraçados

Engraçado como algumas coisas mudam rápido e a gente nem percebe.

Engraçado como eu acho tudo engraçado. Tem o funny haha e o funny weird, como diria o Alan, e acho que isso eu nunca vou esquecer. O curioso - aqui no sentido de engraçado - é que normalmente eu acho engraçado no sentido de curioso. Mas continuo curioso pelo engraçado, pelo que faz rir, pelo que a gente faz com o riso ou depois de achar engraçado. Já reparou no que você acha engraçado? A guinada no fim da tirinha, da piada, ou mesmo a piada interna - que francamente, pra qualquer pessoa numa condição racional e externa, tem tanta graça quanto sentido. Mas curiosamente - desculpa, agora já não sei - isso não parece lógico, porque chega uma hora que o humor da situação supera o sentido, ou é o riso que já se auto-sustenta e dispensa outras explicações.

Dar risada é uma coisa, por si só, muito engraçada. Repara: a respiração fica toda interrompida, tem gente que ronca que nem porco, um guincha, o outro parece uma hiena. Uma amiga minha ria tão alto (de volume, e de tom também) que chegava a receber umas mensagens de "Acho que você tá no mesmo filme que eu, tô ouvindo sua risada". Sem falar nas quedas ao chão, nos casos asmáticos, ou nas vezes que alguém realmente ameaça morrer de rir. Nessas horas eu não sei se chamo uma ambulância, os doutores da alegria ou tento congelar a cena e isolar a causa do riso. É complicado.

Outra coisa peculiar - para não falar engraçada ou curiosa - é como algumas palavras servem para se referir a praticamente qualquer coisa. Para um amigo meu tudo é foda. Morreu alguém? É foda. Morreu de rir então? É foda. A vida não é fácil? É foda. Não, não é uma resposta à pergunta. É apenas uma constatação. E como ele fala isso tanto com um semi-riso no rosto, quanto com uma cara de consternação, dependendo do momento (na verdade não varia tanto assim), é o suficiente para realmente não saber se a foda é boa ou não. Já eu acho engraçado. Acho que se um dia eu me deparasse com meu próprio cadáver estirado na calçada ia achar engraçado. Pelo menos não acho gozado. Pega mal, sabe como é.

Sabe? Esse "sabe como é" é outro: completamente indiferente ao leitor saber ou não como é a tal da coisa. Não faz diferença se você realmente acha que o sujeito sabe alguma coisa. Terminar a frase com um "sacumé" é a mesma coisa que dizer "eu não sei se você sabe do que eu estou falando, na verdade nem você sabe se eu sei, mas que fique nos registros que eu sei, pelo menos". Pode ser também "não quero falar disso aqui, é muito constrangedor pra mim" ou então "assunto chato - cortando a conversa AGORA". É de fato uma dessas expressões multifuncionais - apesar de semelhante, é mais ou menos o oposto do foda ali acima. Ainda assim, muito útil, principalmente quando você quer significar dois ou três desses sentidos (ou quando não tem exatamente nenhum em mente). Engraçado, né?

Engraçado como algumas coisas mudam rápido e a gente nem percebe. Outras não. Entre o rabugento, o cricri e quem apenas se diverte com o mundo que enxerga não dá um ovo de codorna.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

2 guys 4 chords

Alou, manolos!

Gravei um vídeo com o Vaca (meu querido colega de CM), da nossa apresentação no Sarau Moleculento. Como tudo o que é gravado por câmera e microfone de notebook, não tá com qualidade profissional, mas quebra um bom galho. É uma paródia, um mashup de mashups, e eu espero que vocês consigam entender o que a gente fala gostem.

Se não gostarem, também, não faz mal. :D

2 guys 4 chords from Victor Coelho on Vimeo.

Créditos: Rob Paravonian e Axis of Awesome. Os originais são deles.

domingo, 17 de outubro de 2010

Sparkle Smile

Hoje eu estava no mercado, quando vi um mendigo comprando refrigerante.

A aparência não tinha a quem enganar: roupas aos trapos, cabelo, pele e mãos já bastante judiadas, apesar de ser um homem jovem. Mas o que chamava mesmo atenção era a própria situação: um mendigo saindo do mercado carregando uma garrafa de Fanta Uva. o que me deixou imóvel, no entanto, foi o sorriso dele. Era uma pessoa que com certeza tem muito menos facilidades na vida do que eu, que tenho sempre um teto, uma cama, um chuveiro (quase sempre) com água quente, e alimento ao alcance. Sabe-se lá se ele tinha o que almoçar!

E mesmo assim, aquela enigmática garrafa PET de Fanta Uva. Na hora, eu nem pensei tanto a respeito, só fiquei deslumbrado pela felicidade nítida e pura estampada na cara do homem. Devia estar pensando na família, ou em alguém que, numa oportunidade rara, ia tomar refrigerante, ia ter aquele luxo de gente que não tem o dinheiro tão contado assim. Era uma alegria tão genuína que eu até desconfio que seja parte invenção minha. Esse tipo de coisa não pode se perder. A gente precisa de tanto pra ser feliz, tem tanta gente entediada com a vida.. vai passar fome, vai. Muda de perspectiva. Não é nem pra criticar os outros, mas eu acho que aquele sorriso não pode ficar só na minha memória.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Obsessão inventada

Você me fascina.
Não sei se é o momento de encontro entre dois desconhecidos - falsos amigos talvez, mas não tanto a amigos falsos - mas mais a duração de algo tão... sutil, fino, quase inexistente, e ainda assim, esquisitamente estável.

Superficial como superfície, da aparência, mas não de falta de profundidade. Fino, também, mas não, talvez, na qualidade. Relação é forte demais, mas é uma relação fora da causalidade (ou isso alguma lembrança se fez omitir: probabilidade?). São fios que ligam as duas partes, ninguém sabe como, pois ninguém os vê. Quem sabe o que me maravilha tanto é tentar encontrá-los, pois sei que existem. A realidade está aí pra comprovar!

Quando vejo, estou com suas fotos diante de mim, como para tentar extrair um mínimo de informação, tentar fisgar algum detalhe, algum lampejo desapercebido da sua alma, pois, querendo ou não, sei pouco mais que o seu nome. Posso até ler a sua forma de pensar, o pouco que você externaliza ou intern(et)aliza de seu cotidiano, mas os detalhes banais e desimportantes, ironicamente, fazem falta. Não conheço sua voz, o que faz da vida (ok, o que REALMENTE faz da vida), por outro lado me sinto mais à vontade com você do que com outras pessoas que supostamente conheço - pois esta palavra cada vez faz menos sentido - melhor, ou há mais tempo. Aliás, há quanto tempo? Não sei. Em algum momento a minha memória episódica lembra de ter te encontrado, e nesse instante já fazia tempo que a gente não se via... hein? Na hora até questionei. Me parece mais é que os fios sou eu que estou atando. Mas foi você que acenou primeiro!

Será que você pensa (em? não, com certeza não) de mim? O que será que pensa? Sou eu que tenho a cabeça fraca ou você também não lembra das nossas conversas sequer terem existido? Não se confunde um estranho assim tantas vezes, e não se leva farsa adiante quando o estranho é o último a perceber. Como posso dizer que alguém me atrai sem ser mal(a) interpretado? Talvez só o fato de ser algo desconhecido e ainda assim tão vibrante, tão exótico a mim e mesmo assim inconscientemente(mente?) familiar. Eu sinto como se tivesse algo a acrescentar, mas é apenas vontade de fazer bater a realidade e a aparência. Estranho construir uma amizade de ponta cabeça, é mais difícil saber de que ponto você partiu, quem dirá onde vai parar.

Olhando a sua cara de brava congelada, fico aqui imaginando sua vida, seu jeito de sentir o mundo, e principalmente - eu ignoro o paradoxo - todas as coisas que eu provavelmente imagino errado e me iludo. No entanto, você não sai da minha consciência. Acho que te vi passar, começo a ver coincidências e criar hipóteses para aos poucos ligar os fios e zás, tudo se passa como nada se passasse!...

Ou talvez o melhor seja descobrir um nome científico pra isso, dizer que é condição clínica ou efeito psicológico, e não esquentar mais a cabeça.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Malabarismo


De um lado está o perfeccionismo, a ideia de que se algum trabalho ou projeto pelo qual eu me sinta mais ou menos responsável não sair ou sair malfeito, eu não vou (me) perdoar. Não sei até que ponto isso é bom, ou até que ponto é egoísmo e exagero.

Do outro lado, a noção de que eu tenho que criar prioridades, e de que nem sempre se pode fazer tudo bem feito, de que nem sempre tudo vai sair como eu quero, por mais que eu esteja certo de que estou certo. Sem falar que, acima dos meus objetivos, deve ficar o cuidado com a minha saúde, e com as coisas pelas quais eu já sou responsável. Relacionamento, família e tal.

Não chega a ser mania de perfeição, nem tudo precisa sair perfeito, e mesmo se eu não der tudo de mim, ainda é compreensível; eu certamente tenho outra coisa para fazer. Ainda assim, imperfeito é claramente diferente de PORCO - isso é subjetivo, sim, mas também insuportável. É óbvio que eu não passaria a viver sob a sombra do que me desagradou e ficou além do meu alcance, até porque passaria a viver sobre essa sombra, verdade seja dita. E mesmo assim, seria uma pedra na espinha dorsal do ego. Novamente aquele dilema de "haha, você é humano! você não é capaz de fazer tudo bem feito e ao mesmo tempo!"

Eu sou humano, pois. É justamente isso que me livra da culpa (pois sejamos sinceros, é culpa) que sentiria se não conseguisse dar conta de todas as funções a mim mesmo impostas. Por isso que é bom dividir o trabalho, delegar tarefas simples a quem pode cumpri-las sem entrar em desespero, coisa que acontece, quando se acumula demais. E essa é a melhor coisa para se fazer - pôr na mão de alguém confiável, que saiba o que está fazendo, e, já que insiste(insisto), que entenda o que eu quero e faria.

Mas e na falta dessa pessoa? Sim, eu sou humano, e é essa a beleza da coisa - a humanidade em mim é o que me faz superar limites, evoluir. Na verdade, não fosse isso, seria qualquer outra coisa, mas é esse caráter que me permite fazer mais do que espero, e espera-se, de mim. Eu posso, e tenho o direito de tentar.